O ´bip`de notificação de WhatsApp no celular de uma criança, em princípio pode parecer inofensivo, por vezes visto como algo positivo, pois se configura como uma forma moderna de combinar brincadeiras, passeios, encontros, manter contato com os amigos e exercitar habilidades de comunicação como a escrita e leitura.
Mas o que acontece quando esse ´portal de conexão`, sempre ativo e presente no bolso da mochila, se transforma em um palco para a crueldade?
Nessa nova configuração, conflitos que antes ficavam restritos ao pátio da escola, terminando ao soar do sinal (não significando serem menos importantes), passam a ter continuidade sem lugar e horário para terminar. Eles migram para as telas e invadem até mesmo o quarto das crianças, durante a noite, finais de semana, feriados, até mesmo em período de férias. Ainda mais grave: entregamos essa ferramenta poderosa a crianças que, em sua grande maioria, ainda não possuem a maturidade emocional e o repertório cognitivo para lidar com a complexidade, exposição e as violências das interações digitais.
Vejamos essa a seguinte situação: uma menina de 8 anos que diz à outra, por mensagem de whatsApp que sua roupa é um ´lixo`, que desvaloriza, ofende e mina sua autoestima, não faz disso apenas um ´drama infantil`, mas sim uma forma de abuso que acontece longe da supervisão dos adultos, em um ambiente ´silencioso`onde as palavras escritas ou faladas permanecem ecoando na mente e na emoção da criança a cada nova visualização.
O Pátio Digital: Por que é mais perigoso?
As dinâmicas de liderança e os conflitos fazem parte das relações da infância, porém a diferença no ambiente digital é a intensidade e o alcance a medida em que isso se replica e toma força.
Algumas características das ´faces digitais`que tornam esse recursos, quando são experienciados sem a supervisão e adequação devida, bastante perigosos e sensíveis para as crianças:
- Falta de filtro e empatia: por de trás de uma tela a criança pode se sentir encorajada a dizer coisas cruéis que talvez não fosse dizer pessoalmente. Bem como, não presencia a dor do outro por não observar a reação real no momento, por sua vez o remorso ou arrependimento também não são acessados, a construção da empatia deixa de existir, e a dor que foi causada passa despercebido;
- Agressão invisível: por vezes pode ser muito mais difícil para os pais identificarem uma ferida emocional em um filho que foi causada por uma mensagem de texto digital, do que algo que acontece nas vivências reais de uma criança. O sofrimento se torna silencioso, solitário e crescente. Nem sempre as crianças revelam quando sofrem esse tipo de assédio e os pais perdem a oportunidade de descobrir o que está entristecendo a criança;
- Permanência do ataque: as palavras escritas em redes digitais vêm acompanhadas da possibilidade de compartilhamento dezenas de vezes, o que reforça a dor, humilhação e exposição a cada visualização. Ainda pior: elas podem ser proferidas em grupos, aumentando ainda mais todos esses níveis.
Sinais de alerta: Como saber se algo está errado?
Como o cyberbullying acontece de forma oculta, alguns sinais de alerta podem ajudar a identificar se algo de errado possa estar acontecendo:
- Alterações súbitas de humor: a criança fica subitamente ansiosa, triste ou irritada, especialmente depois de usar o tablet ou celular;
- Esconder o aparelho: a criança pode esconder o aparelho após usar, apagar conversas ou se recusar a mostrar o que está vendo;
- Relutância em ir à escola: muitas vezes o conflito online é uma continuação do que possa estar acontecendo presencialmente;
- Queda no desempenho escolar ou desinteresse por atividades sociais que antes gostava;
- Comentários autodepreciativos: a criança começa a verbalizar as ofensas que está lendo, utilizando as mesmas expressões como: ´eu sou feia`, ´ninguém gosta de mim`…
O papel do pais
Proibir a tecnologia, se ela é oferecida de forma adequada à idade, não é a solução a longo prazo. Os pais devem supervisionar, apresentar limites, orientar e dialogar com seus filhos constantemente sobre o que e como esse recurso está sendo utilizado.
Todo novo passo de um filho antes de ser liberado e validado precisa ser adequado a maturidade da criança, não somente a idade. Portanto boas perguntas que os pais podem se fazer é – meu filho consegue expressar seus sentimentos? – como ele lida com as dificuldades e frustrações? – a quem ele procura quando tem um problema ou dificuldade?
Se as respostas para essas perguntas forem insatisfatórias, provavelmente a criança não está pronta para a complexidade de uma rede social como o WhatsApp por exemplo.
Crie regras claras e inegociáveis:
1- Horários : após a criança finalizar sua rotina, aparelhos eletrônicos devem ser retirados e guardados e estarem indisponíveis;
2- Combinado de ouro: ´tudo aquilo que não temos coragem de falar pessoalmente para alguém não deve ser escrito online`;
3- Porto seguro: por meio do diálogo deixar o campo da comunicação aberto entre você e seu filho – ´tudo aquilo que deixar triste, com medo ou desconfortável, você pode me contar. Sempre a verdade, pois iremos juntos encontrar a melhor solução. Eu confio em você!`
Se o Cyberbullying acontecer:
- Acolha, acredite, sem punir: a primeira reação da criança ao contar pode ser o medo de perder o celular, garanta que isso não acontecerá, agradeça a coragem dela por ter contado;
- Guarde as provas: tire prints das conversas, isso é fundamental caso providências diante da escola ou autoridades se façam necessárias;
- Bloqueie e dialogue: bloqueie o contato do agressor e em seguida acione a escola. A coordenação pedagógica precisa estar ciente da dinâmica que está ocorrendo entre os alunos para poder intervir de forma eficaz no ambiente escolar.
- Aja de forma discreta: evite expor ainda mais a criança a situações de vexame ou discussões em público ou fóruns coletivos. Garanta a privacidade para proteger as emoções já abaladas da criança.
Dar um aparelho eletrônico como tablet ou celular a uma criança é entregar a chave de uma porta aberta para o mundo. Não podemos simplesmente entregar essa chave nas mãos de uma criança, é necessário ensinar como trancar essa porta e estar se fazendo presente em equilíbrio com a autonomia da criança, para que essa possa acionar o adulto caso algo estranho ou sensível aconteça.
A melhor proteção não é o isolamento digital, mas um vínculo de confiança tão bem estruturado que nenhum tipo de mensagem possa abalar.

