É comum que alguns pais observem seus filhos em rodas de brincadeiras e sintam uma ponta de angústia: ´ele sempre cede…`, ´ela nunca diz o que realmente quer…`, ´ele deixa todo mundo mandar…`.
A imagem da criança ´boazinha`- aquela que não reclama, que aceita tudo, que cede espaço – muitas vezes é celebrada socialmente, mas também pode esconder um desafio bem importante: dificuldade de se posicionar e a repressão de suas vontades e desejos.
Ter voz e vez não significa ser mandão, dominar ou brigar. Significa existir dentro da experiência: dizer sim quando quer, não quando precisa, expressar preferências, se proteger e negociar.
Este é um aprendizado de maturidade emocional e não nasce pronto com ninguém.
A criança ´boazinha`: o que ela realmente está comunicando?
Quando uma criança nunca se impõe nas brincadeiras, geralmente ela não está ´sendo boazinha`, ela pode estar:
- Com medo de desagradar e ser excluída;
- Com baixa confiança em sua ideia ou habilidade;
- Sem repertório social para se posicionar;
- Com um temperamento naturalmente mais introvertido ou observador;
- Vivendo o peso da expectativa dos adultos que valorizam silêncio, obediência, docilidade.
Muitas vezes, ela aprendeu que ´não fazer conflito`é a forma mais segura de pertencer.
Por que isso importa?
Porque assertividade é uma das habilidades sociais mais cruciais para a vida.
Uma criança que não aprende a expressar seu desconforto ou a defender seu espaço pode enfrentar vários desafios!
Crianças que não conseguem se posicionar costumam:
- Se anular para manter amizades;
- Aceitar brincadeiras que não gostam;
- Ser alvo de imposições de outras crianças;
- Ter dificuldade futura em dizer não para injustiças, abusos ou relações desequilibradas.
Ensinar uma criança a se posicionar é um ato de proteção, autonomia e amor próprio.
Como ajudar a criança a ter voz nas brincadeiras:
1 – Dê à criança a experiência do ´direito de ter opinião no cotidiano`.
O melhor lugar para começar esse treino é em casa, em um ambiente seguro.
Frases simples no dia a dia constroem musculatura interna:
- Qual dessas duas opções você prefere?
- O que você acha melhor fazermos agora?
- Como você imaginou essa brincadeira?
- Você pode discordar de mim se você quiser e dar outra opinião!
Isso envia a mensagem: seu pensamento importa!
2- Ensine frases prontas de autoproteção:
Crianças precisam de repertório para usar na hora:
- Agora eu quero escolher;
- Eu também quero brincar;
- Eu não gostei disso;
- Assim eu não quero, podemos pensar juntos?
- Eu não vou continuar se for desse jeito.
Ensinar a aplicação dessas frases é ensinar movimento interno, fornecer recursos de posicionamento.
3 – Valide a emoção dela após conflitos:
Ao invés de: ´Você tem que se impor!`
Experimente: ´Eu vi que foi difícil para você falar naquele momento. Vamos treinar juntos o que você poderia dizer numa próxima vez?
Validação diminui vergonha e abre espaço para aprendizado!
4 – Evite elogiar excessivamente a docilidade:
Quando a criança é sempre elogiada por ´não dar trabalho`, ela entende que ser aceita depende de ser silenciosa.
Troque por:
- Eu gosto quando você compartilha suas ideias!
- Fico feliz quando você fala o que quer!
- Você tem boas ideias para brincadeiras!
Refaça o foco: de agradar ao outro para expressar-se.
5 – Promova brincadeiras cooperativas guiadas:
Atividade com pequenas regras compartilhadas ajudam muito:
- Construir algo juntos;
- Jogos com trocas de turnos (esperar pela vez);
- Brincadeiras em que cada criança tem uma função;
Durante a atividade, o adulto media:
- Agora é a vez da sua ideia;
- O que o seu amigo pode fazer para te ouvir melhor?;
- Como vocês podem decidir juntos?
Crianças aprendem autonomia dentro da relação!
6 – Reforce pequenos avanços – não perfis:
Não diga: ´ Viu? Você consegue ser firme!`
Prefira:´ Eu percebi como você disse o que queria. Isso foi muito importante!`
O foco deve ser no comportamento, não em criar uma nova identidade!
Quando preocupar-se?
Se a criança evita sistematicamente qualquer confronto, desiste de brincar, chora com facilidade diante de pequenas discordâncias ou vive sempre à sombra do grupo, pode ser útil conversar com um profissional do desenvolvimento infantil. Às vezes, o que parece timidez é uma dificuldade real de regulação emocional ou de habilidades sociais que merece suporte.
O que os pais precisam lembrar?
Que existe um equilíbrio entre gentileza e firmeza!
A criança que não se impõem não é fraca, não é submissa, não está errada.
Ela está aprendendo, como todas as outras, a existir no mundo!
E existência se aprende quando alguém nos dá permissão para ocupar espaço, expressar desejos, errar, corrigir, negociar e tentar novamente.
Dar voz a uma criança é ajudar a construir alguém que sabe que tem valor.
E dar vez é mostrar que o mundo pode, e deve, abrir espaço para ela.
O objetivo não é transformar nossos filhos pacíficos em crianças “brigonas”. Nosso objetivo é dar a eles as ferramentas de inteligência emocional.
Ensinar a criança a ser leal a si mesma em equilíbrio com o respeito ao outro traz equilíbrio, leveza e possibilidades de realização pessoal.

