Hora de vestir o uniforme da escola, vestir seu filho com a roupa de frio se transforma em uma batalha épica, com choro e recusa total em usar o casaco. Cenas como essa são o pesadelo de muitos pais e a primeira palavra que vem à mente é: birra.
E, muitas vezes, pode ser. A birra é uma parte esperada e até saudável do desenvolvimento infantil, uma forma de testar limites e expressar frustração por não ter um desejo atendido.
Mas e se não for “apenas” birra? E se o choro descontrolado não for sobre querer controlar a situação, mas sobre estar, de fato, em sofrimento?
Muitas crianças, especialmente aquelas dentro do espectro autista ou com Transtorno do Processamento Sensorial (TPS), possuem uma hipersensibilidade que transforma estímulos comuns do dia a dia — uma etiqueta na roupa, o barulho do liquidificador, a luz forte do mercado — em uma verdadeira tortura.
E como cada vez mais estes temas têm ganhado luz, os pais estão cada vez mais perdidos, sem saber como lidar com a situação. Saber que algo existe, é diferente de saber reconhecer e lidar com isso.
Saber diferenciar uma birra de uma crise sensorial não é simples. É a diferença entre educar e acolher. Entre impor um limite e oferecer um porto seguro. Hoje, quero te ajudar a entender o que seu filho está realmente tentando comunicar.
Entendendo a BIRRA: O Comportamento “Teatral”
A birra é, em sua essência, sobre um desejo não realizado.
- O Gatilho: Geralmente é claro e específico. A criança quer um brinquedo, não quer tomar banho, quer o celular agora. Existe um objetivo claro.
- A Intenção (mesmo que inconsciente): É uma tentativa de controle. A criança quer mudar a situação a seu favor, conseguir o que quer ou escapar de algo que não quer fazer.
- O Comportamento: É performático. A criança olha para ver se o adulto está prestando atenção. O choro pode parar e recomeçar, dependendo da reação da plateia. Ela se certifica de que seu protesto está sendo visto.
- O Fim da Crise: Geralmente, a birra cessa quando a criança consegue o que quer ou quando percebe que sua “performance” não vai funcionar. Ela pode ficar emburrada, mas o descontrole agudo passa.
Exemplo Clássico: No caixa da loja, a criança vê um doce e pede. Você diz não. Ela começa a chorar alto, se joga no chão e olha para você, esperando sua reação.
Entendendo a CRISE SENSORIAL: A Reação de Sobrevivência
A crise sensorial não é sobre um desejo. É sobre uma sobrecarga do sistema nervoso. Ela acontece quando o cérebro não consegue processar a quantidade ou a intensidade de informações sensoriais que está recebendo.
- O Gatilho: Muitas vezes é invisível para nós ou parece “frescura”. Pode ser o acúmulo de barulhos, a textura de uma comida, de um tecido, a luz piscando, a etiqueta da blusa “arranhando” a pele, ou até mesmo a soma de vários pequenos estímulos ao longo do dia.
- A Intenção: Não existe. A crise é uma reação involuntária, um curto-circuito. A criança não está tentando manipular ninguém; ela está em pânico, tentando escapar de um sofrimento real e intenso.
- O Comportamento: É uma explosão de desespero. A criança pode gritar, se bater, tapar os ouvidos, se encolher ou tentar fugir. Ela não se importa se alguém está olhando. O comportamento é uma tentativa de bloquear os estímulos ou liberar a tensão insuportável.
- O Fim da Crise: A crise só termina quando o estímulo agressor é removido e a criança se sente segura novamente. Depois, é comum vir um período de exaustão extrema, cansaço ou até sono. Não há um fim abrupto.
Exemplo Clássico: Em uma festa de aniversário, depois de um tempo, a criança começa a chorar, tapa os ouvidos e tenta se esconder debaixo da mesa. A combinação da música alta, das conversas e das luzes coloridas sobrecarregou seu sistema.
O Mapa Rápido: Birra vs. Crise Sensorial
| Característica | Birra (Comportamental) | Crise Sensorial (Neurológica) |
| Por que acontece? | Frustração por um desejo não atendido. | Sobrecarga de estímulos sensoriais. |
| Intenção? | Conseguir algo / Testar limites. | É uma reação de pânico que a criança não controla |
| Busca por plateia? | Sim, a criança olha para ver sua reação. | Não, ela não se importa se alguém está vendo. |
| Como termina? | Quando consegue o que quer ou desiste. | Quando o estímulo para e ela se acalma. |
| Depois da crise… | Pode ficar emburrada, mas se recupera rápido. | Fica exausta, sonolenta, esgotada. |
Como Agir? O Caminho Certo para Cada Situação
- Se for BIRRA: A palavra-chave é FIRMEZA COM ACOLHIMENTO.
- Mantenha o Limite: Não ceda. Ceder ensina que a birra funciona.
- Valide o Sentimento: “Eu entendo que você está muito bravo porque não pode comer o doce agora.”
- Garanta a Segurança: Se ela estiver se machucando ou a outros, retire-a do local para um lugar calmo.
- Aguarde Passar: Mantenha-se por perto, em silêncio, mostrando que está ali, mas que a decisão está mantida.
- Mantenha o Limite: Não ceda. Ceder ensina que a birra funciona.
- Se for CRISE SENSORIAL: A palavra-chave é SEGURANÇA E ACOLHIMENTO.
- Percepção dos Sinais Iniciais: a criança vai dar um sinal físico ou emocional: ela pode começar a se irritar, se encolher, chorar, tampar os ouvidos , demonstrar desconforto.Reconhecer os sinais precoces e os estímulos pode reduzir significativamente a crise;
- Entender e Conhecer a Escalada da Crise: a criança pode gritar ou chorar intensamente, se debater ou tentar fugir da situação.
Os pais precisam manter a calma e oferecer segurança física, afastar de locais tumultuados ou barulhentos, proteger a criança de exposição social, falar o mínimo possível e evitar repreender. - Ofereça Segurança no Pico da Crise: o corpo e as emoções da criança estão no limite! Ela pode não conseguir comunicar.
Os pais precisam garantir que ela não se machuque, fique próximo, ofereça contato físico se a criança aceitar(abraço, colo, segurar na mão). O silêncio e a presença segura valem mais do que muitas palavras. - Retire a Criança do Contato com o Estímulo: ao identificar a causa da desregulação sensorial, você pode afastar a criança desse estímulo.
- Acompanhe o Desacelerar: a criança começa a dar sinais de calma, porém ainda pode estar confusa , cansada e irritada.
Você pode manter o ambiente tranquilo, oferecer algo reconfortante ( água, almofada, um brinquedo de estimação…) - Validar: “Eu sei que foi difícil , mas agora você está mais calmo e dando conta!”
- Acolher a recuperação: a criança retoma o equilíbrio e possivelmente ficará mais sensível, quieta e precisando de você para se sentir mais segura. Acolher, conversar de forma simples, valorizar o esforço da criança em se recompor. Evite brigas e cobranças.
- Refletir posteriormente: quando tudo estiver tranquilo, em outro momento, você pode conversar com a criança, ajudando-a a identificar os gatilhos, e pensar em estratégias para a próxima vez ( fones abafadores, óculos escuros, objetos sensoriais de conforto)
- Percepção dos Sinais Iniciais: a criança vai dar um sinal físico ou emocional: ela pode começar a se irritar, se encolher, chorar, tampar os ouvidos , demonstrar desconforto.Reconhecer os sinais precoces e os estímulos pode reduzir significativamente a crise;
É Importante evidenciar que:
As birras vão e vem, passam ou diminuem quando uma criança é bem manejada e os pais estão bem instrumentalizados!
As crises sensoriais acompanham a criança por toda a vida! Os recursos oferecidos e autoconhecimento tornam as crises menos intensas e mais espaçadas!
Entender essa diferença entre uma crise e uma birra é um ato de amor. É parar de exigir que uma criança com dor de cabeça se comporte como se não estivesse sentindo nada.
Se você suspeita que seu filho pode ter hipersensibilidade, procure um terapeuta ocupacional. Ele é o profissional que pode mapear o perfil sensorial da criança e criar estratégias para o dia a dia.
Lembre-se: você é o maior especialista no seu filho. Observe, conecte-se e confie nos seus instintos.

