A Culpa é (Sempre) da Mãe?
Um fato bastante corriqueiro nas relações familiares são conversas informais sobre comportamentos desafiadores das crianças e frequentemente a existência desses comportamentos são relacionadas a mãe, a mãe recebe a culpa.
Existe uma linha tênue entre colaborar e interferir, entre querer o bem e acabar ferindo. Entre a experiência que orienta e a opinião que pesa.
Fato real: um grupo de mães e avós conversam sobre o comportamento desafiador de uma criança.
No meio da conversa, a avó dessa criança, que também estava presente, desabafa: “O problema é que a mãe dela deixa ela fazer tudo o que quer.”
No lugar de um apoio vem uma dolorosa crítica que se transforma em culpa.
Muitas mães vivem o desafio de criar seus filhos sob olhares que as julgam, corrigem e comparam – muitas vezes os olhares de seus próprios pais, agora avós, e/ou parentes.
Falas como: ´´Na minha época era diferente.“
Sim era! E justamente esse é um dos fatores que hoje acarreta posicionamentos diferentes dos pais diante de seus filhos.
Hoje, entende-se que o comportamento de uma criança não é apenas reflexo de desobediência, mas de emoções ainda em construção. Que educar não é sobre impor medos, mas ensinar com vínculo e presença.
Quando parentes ou avós interferem com rigidez ou desconfiança, desautorizam sem perceber – e uma mãe desautorizada se sente pequena, insegura, frágil e sozinha.
E tudo o que uma criança mais precisa é sentir seus pais – no caso referido aqui a mãe – seguros, respeitados e confiantes.
O papel dos avós é precioso: é o colo sem peso, o amor que transborda, o elo entre gerações. Porém quando existe uma interferência constante ou culpa, esse elo se enfraquece. Os avós são uma rede de apoio fundamental, uma fonte de amor e conexão insubstituível. Mas, muitas vezes, essa relação se torna a principal fonte de insegurança, culpa e raiva dos pais.
A maternidade precisa de mãos que sustentem, não que apontem. De vozes que acolham, não que duvidem. Porque quando mães e avós caminham juntos, com respeito aos papéis de cada um, a criança cresce cercada de amor e não de tensão.
A pergunta de ouro: como navegar nessa relação? Como estabelecer limites, proteger nossa saúde mental e garantir que nossas regras sejam respeitadas, sem causar uma guerra familiar? E sem deixar de ouvir a voz da experiência por puro orgulho?
Por que os avós dão palpite?
Para lidar com a situação, precisamos entender a raiz do comportamento. A interferência dos avós geralmente nasce de:
- Amor Genuíno (e Ansiedade): Eles amam os netos desesperadamente e não suportam vê-los sofrer (ou, na visão deles, “sair da linha”).
- A Síndrome do Especialista: Eles já fizeram isso antes. Eles nos criaram (e sobrevivemos, como dizem). Na visão deles, a experiência que têm lhes dá autoridade para opinar.
- A Mudança de Papel: É difícil para muitos avós saírem do papel de “educadores” (que tiveram conosco) para o papel de “apoiadores”. Eles continuam querendo “consertar” o que acham que está errado.
- O Conflito de Gerações: Eles foram criados em um paradigma de autoridade (“tem que comer tudo”, “criança não responde”) e têm dificuldade em entender os conceitos da parentalidade moderna, como acolhimento, validação de sentimentos ou disciplina positiva. Os pais de hoje precisam ser praticamente psicólogos para conseguir educar os filhos sem julgamentos.
O Risco do Silêncio (Quando “Deixar Passar” Piora Tudo)
Muitos pais, evitam o confronto para “manter a paz”. O problema é que o silêncio tem um custo alto:
- Desautorização: Quando a avó quebra uma regra sua na frente da criança (“Ah, sua mãe não deixa, mas eu deixo!”), ela não está apenas mimando o neto; ela está ativamente minando a sua autoridade.
- Confusão na Criança: Crianças precisam de referência e consistência para se sentirem seguras.
- A Carga Mental da Mãe: A mãe fica majoritariamente com o papel de corrigir, trabalhar as regras e fiscalizar , enquanto os avós do lado bom da história. Isso gera um desgaste emocional profundo e um sentimento de solidão na criação.
- Conflito Conjugal: Muitos conflitos surgem desse lugar da culpa que alguns parentes carregam. Deixando por vezes um dos genitores desprotegido pelo parceiro, que não assume a linha de frente no posicionamento com seus próprios parentes.
Como Alinhar a Forma de Educar em Família
O objetivo não é afastar os avós, mas sim redefinir seus papéis. Eles não são os pais. Eles são os avós. E para isso, a comunicação precisa ser clara, mas feita longe da criança.
- O Casal Precisa Ser um Bloco Único: Antes de falar com os avós, o casal (pai e mãe) precisa estar 100% alinhado.
- Quais são as regras inegociáveis da casa (alimentação, sono, tempo de tela, segurança)? O que é flexível? A “Orientação Parental” serve exatamente para criar esse manual da família.
- O mensageiro correto: A regra de ouro é: cada um lida com os seus pais. Na história da avó, o papel de estabelecer limites com ela é do filho dela (o pai da criança), e não da nora. É ele quem deve protegê-la de julgamentos e alinhar as expectativas. A mãe lida com os pais dela; o pai lida com os pais dele.
- A conversa preventiva: Não espere a explosão. Chame os avós para um café, em um dia calmo, sem as crianças. A conversa deve ser de gratidão e alinhamento, não de acusação.
- Se acontecer na hora: Se a avó desautorizar você na frente da criança (Ex: “Deixa ele comer o doce, que bobagem!”).
- Etapa 1 (Na frente da criança): Seja breve, firme e educada. “Mãe, agradeço a intenção, mas o doce é só depois do almoço. Filho, a regra da mamãe você já sabe.” (Mantenha a regra, sem discutir).
- Etapa 2 (Depois, em particular): “Mãe, o que você fez hoje na frente dele me desautorizou. Eu peço que, da próxima vez, se você discordar de mim, você fale comigo em particular, e não na frente dele.”
Respeito é a Base de Tudo
Lidar com a interferência dos avós é, talvez, um dos maiores testes de paciência da parentalidade. Exige que saiamos do nosso papel de “filhos” para assumirmos o papel de “pais” da nossa própria família.
Não se trata de quem está “certo” ou “errado”, mas de quem tem a responsabilidade final pela criança. E essa responsabilidade é dos pais da criança.
Estabelecer limites protege sua saúde mental, cria consistência na forma de educar seu filho e ensina aos avós qual é o novo lugar deles nesta família – um lugar de honra, de amor e de apoio, mas não de comando.
Mas nunca se esqueça, que mesmo fora desta posição de comando, os avós podem sim ter lições valiosas para oferecer a você. Escute com paciência e filtre o que fizer sentido para você e sua família. Afinal de contas, sabemos que independentemente de qual seja a opinião, a intenção é sempre oferecer o melhor para o seu filho.

