Chegou novembro e a bateria social e mental das crianças (e dos pais) está no fim. O que fazer quando a “preguiça” é, na verdade, um sintoma de exaustão?
Chegamos àquele ponto do ano em que o sol se põe mais tarde, as luzes de Natal começam a piscar e a bateria de todo mundo já está no vermelho. É nessa hora que aquela frase clássica se repete com mais frequência: ” Eu não quero ir para a escola”. Ou então, aquela tosse seca, sem febre, mas extremamente debilitante (segundo seu filho) insiste em não ir embora.
A primeira reação dos pais é pensar em preguiça e em falta de responsabilidade. Mas e se for mais que isso?
Basta olhar, por exemplo, a agenda de uma criança do ensino fundamental hoje em dia. Ainda ontem, conversando com uma mãe, ela me confidenciou que sua filha, de apenas 8 anos e no segundo ano, terá atividades avaliativas todos os dias da próxima semana, além de apresentações, festas e uma avaliação nacional.
Ela terminou a frase com um desabafo: “Eu também estou cansada.”
Ela está exausta pois, tendo a filha pouca idade, ela precisa se envolver intensamente nas atividades. A própria escola, aliás, exige essa participação, pedindo lanches temáticos, entrevistas e atividades com a família, coleta e envio de materiais, etc. E assim, o que era para ser um dever da criança vira uma segunda jornada de trabalho para os pais.
O “não quero ir” do seu filho não é um problema isolado. É o sintoma visível de um sistema familiar e escolar que chegou ao seu limite de estresse.
Por que Tão Cansados?
O cansaço de fim de ano não é “frescura”. É um fenômeno real com causas claras:
- A Exaustão Acadêmica (Aquele Sprint Final): As escolas concentram em novembro as últimas provas, recuperações e avaliações nacionais. Para a criança, é como se, após 10 meses de caminhada, ela fosse obrigada a correr uma maratona. O cérebro dela está, de fato, pedindo uma pausa. E com a proximidade das férias, a ansiedade também está nas alturas.
- A Exaustão Parental (A Carga Mental): os pais, não são meros espectadores. São muitas vezes os produtores, os assistentes e os motoristas dessa rotina. Gerenciam a logística das provas, estudam junto, sofrem com a ansiedade dos filhos e ainda tem que lidar com as próprias demandas de fim de ano no trabalho.
- A Quebra de Rotina (A Falsa Preguiça): O cansaço físico e mental se manifesta como preguiça. A criança demora mais para acordar, fica mais lenta para se arrumar e tem menos tolerância para frustrações. Ela não está sendo desafiadora de propósito; ela literalmente não tem mais energia de reserva. E alguém poderia culpá-la por isso?
Quando o Cansaço Vira Conflito
O maior perigo dessa época não é a nota baixa. É o dano ao relacionamento entre pais e filhos. Quando pais e filhos estão cansados, a paciência é a primeira a acabar. A casa vira um campo de batalha. Os pais pressionam , eles resistem. Os pais cobram, eles choram.
Um problema de sobrecarga (que é do sistema) se transforma em um problema de comportamento (que acham ser da criança). E o resultado é uma criança que se sente incompreendida e um adulto que se sente culpado, cansado e irritado.
Estratégias de “Sobrevivência” para o Fim de Ano
Não vamos resolver o sistema escolar da noite para o dia, mas podemos mudar como o caos é gerenciado das nossas casas. O foco agora não é a perfeição, é sobreviver a este período mesmo.
- Reconheça o Cansaço (O Deles e o Seu): Pare de lutar contra o sentimento. Em vez de usar: “Você não está cansado, isso é preguiça!”, tente: “Eu sei que você está cansado. É muita prova, né? Eu também estou cansada. Vamos fazer assim…”. Isso muda a dinâmica de adversários para aliados.
- Escolha suas Batalhas (Priorização Radical): Olhe para a semana de 5 provas. Todas têm o mesmo peso? O que é essencial e o que é desejável? Dê a si mesmo e ao seu filho permissão para não serem perfeitos.
- Proteja o Básico (Sono e Descanso): A tentação é virar noites estudando. É o pior a se fazer. Um cérebro exausto não aprende. Negocie horários, mas seja firme em proteger o sono. E mais: crie momentos de descanso na rotina. Meia hora de brincadeira antes de começar o furacão de tarefas pode mudar o humor de todos.
- Se Envolva, Mas Não Faça Por Eles (Ajuste sua Participação): A escola pede o envolvimento dos pais, mas qual o limite? Use esse momento para praticar a autonomia (como vimos no artigo “Construindo a autonomia: O papel dos pais em preparar os filhos para a independência.”).
Deixe clara sua participação: “Filho, eu estou aqui do seu lado para tirar dúvidas, mas quem vai ler o enunciado e tentar primeiro é você.” Isso alivia sua carga de “executora” e o coloca no papel de “consultor”. - Crie uma “Linha de Chegada” Celebratória: O que vocês farão quando a última prova acabar? Combine com a criança algo que ela goste muito de fazer, que possa trazer conexão entre vocês e que faça parte da rotina de vocês como uma banho relaxante, uma história, um filme, fazer um bolo, etc. Não é sobre premiar, mas sim sobre conectar e celebrar. As levezas e alívios trazem motivação para continuar.
E o que realmente importa em Novembro?
No fim das contas, a nota da prova de ciências do segundo ano terá um impacto muito pequeno na vida adulta do seu filho. Mas a forma como ele se sentiu – compreendido e apoiado ou pressionado e julgado – durante um momento de estresse, terá um impacto enorme para toda a vida.
Estamos na reta final. Nosso papel agora é ser o técnico que dá água e incentiva, e não o juiz que só aponta o erro. Respire fundo. Ajuste suas expectativas, acolha o cansaço do seu filho e o seu. O objetivo não é terminar o ano com todas as notas 10, mas terminar o ano com a saúde mental da família e o relacionamento entre vocês intactos.

